27cc de mau humor bidestilado intravenoso

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Good night, and good luck

Tem gente indo embora, e isso me incomoda. ME incomoda quando o meu processo de isolamento não parte de mim, mas de alguém ao meu redor. Só quem tem o direito de fugir sou eu, na visão egoísta que acompanha nossa geração. Nós somos assim, queremos nos dar o direito do anonimato mas reclamamos quando alguém casa ou sai da cidade. Ou simplesmente sai. Vai embora. Leva a vida enquanto a minha vida me leva. Nos esforçamos em prol da transformação em seres sem miocárdio, com a única intenção de termos o nosso próprio ego afagado. "Poxa, você sumiu", "tava com saudade", onde você foi parar, seu safado?". É o que queremos ouvir. Não queremos ouvir "tô indo embora", só nos esforçamos pra fazer outros dizerem "não se vá". Queremos ser lembrados, mas não aceitamos a ausência alheia.

Aceite. Perca. Permita a distância. Abrace a saudade, essa amiga inseparável que muda de rosto com proeza maior que de Pitanguy. Sinta falta. Mas sinta falta da frieza de Dietrich, da opulência de Cardinali, da crueza de Kubrick. E sinta a presença da saudade. Valorize a saudade, caro jovem leitor. Se você está lendo isso agora, provavelmente lhe falta a companhia pra ocupar esse tempo, suando e arfando e tecendo juras eternas.

Mas ouça a voz da amiga saudade, pois é dura, rouca e tosse no seu cangote, enquanto o cômodo esvazia e as cortinas se encerram sem palmas ou ovações. Quem fica do seu lado é a saudade, a madame de todas as frustrações, a dominadora irrefutável que carrega consigo o fardo de ser todas as pessoas que você não tem numa só. Nós encarregamos à saudade um fardo pesado demais pras nossas próprias costas. É claro que ela ia te cobrar, uma hora ou outra. Fomos criados pra sentir saudade, e a saudade foi criada pra isso, pra lhe ceifar o presente com a implacável foice do passado. Essa sim não perdoa. Se a morte é Chuck Norris, um mito, feita de piada, desacreditada, finita, a saudade tem outro nome. Ou outros, tantos quantos forem os nomes que você queria que falassem contigo ao telefone agora.

Viva a saudade, que faz o mundo girar.

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